quarta-feira, 11 de junho de 2008

Artigo interessante

11 de junho de 2008. | N° 70

Distorção comunicacional
Valdete Daufemback*

Chamou-me a atenção, no bairro Jardim Paraíso, pela sua originalidade, o nome de um estabelecimento comercial. Mas deixaria perplexo qualquer vernaculista sem familiaridade com o mundo da publicidade. Ao entrar no recinto, procurei saber a razão do nome exposto na fachada do prédio. O proprietário, no meio da retórica explicativa, foi logo inferindo: "Olha, aqui no bairro tem muito coisa boa, não é só o que mostram os noticiários".

Essa expressão afirmativa em relação ao Jardim Paraíso é comum se ouvir dos moradores locais. O motivo? A imagem do bairro veiculada nos meios de comunicação. De tanto esse bairro ser rotulado como "o mais violento de Joinville", os moradores criaram mecanismos de defesa em oposição ao discurso homogeneizante da mídia, que, ao fazer recortes na composição das informações a serem divulgadas, evidencia um ângulo de conteúdo impactante socialmente e, a partir daí, justifica tomar o todo do local por este ponto.

Na configuração deste cenário, parece apropriado buscar em Habermas a expressão "distorção comunicacional" para, minimamente, compreender a ação dos comunicadores. À medida que o profissional da comunicação produz um texto alienado do contexto, está, ingenuamente, ou intencionalmente, pela simplificação da informação, instituindo uma mentira. O comunicador, nesta forma de fazer jornalismo, presta um desserviço à sociedade, pois apenas fomenta a cultura do medo, ao transformar uma ocorrência policial em um perigo social generalizado.

No capitalismo de mercado, para a mídia as notícias viraram mercadorias. Assim, nos meios de comunicação costuma-se dizer que a "boa notícia é a má notícia". Então a empresa de comunicação aposta na venda de notícias conforme o gosto do consumidor. Neste sentido, qual a função social dos meios de comunicação? Seria levar à sociedade informação sobre assuntos de interesse social? Neste caso, estaria a sociedade disposta a consumir uma "distorção comunicacional", contribuindo para a valorização da mentira instituída?

Os comunicadores, durante o processo de formação profissional, aprendem a refletir teoricamente nos vários campos do conhecimento, incluindo a ética. Porém, no campo do trabalho, há profissionais que, antecipadamente ao conhecimento do contexto dos fatos que viram notícia, se acham na autoridade de fazer julgamentos precipitados sem qualquer preocupação ou respeito com as pessoas envolvidas - ou rotulam toda a população residente em um bairro pela ação de algumas pessoas. Isso leva a crer que o conhecimento não leva, necessariamente, à ética, mas a ética é que fundamenta o conhecimento. Mais do que conhecimento, é preciso responsabilidade e sensibilidade para lidar com questões sociais.

No contexto da porosidade da fronteira entre a ética e o conhecimento, a população do Jardim Paraíso passa pelo constrangimento de ser alvo da exposição da mídia. Na edição 9 do "Jornal do Paraíso", um periódico das organizações sociais do bairro veiculado mensalmente, moradores se manifestaram a esse respeito porque acham que os jornalistas estão contribuindo na construção de uma imagem negativa sobre o Jardim Paraíso. Por isso, o "Jornal do Paraíso" entrevistou alguns dos jornalistas que fazem cobertura das matérias policiais veiculadas em jornais, rádios e emissoras de televisão, para entender a disposição da mídia em retratar o bairro como o lugar da violência.

É inadmissível que a falta de humanização na divulgação de matérias tenha uma explicação tão simplesmente de ordem técnica, como a falta de tempo, de espaço ou para chamar a atenção das autoridades ou ainda para responder a uma necessidade que muitas pessoas têm por informações trágicas. Nessa lógica, os meios de comunicação são o remédio/veneno para os males do Paraíso.

Divulgar homicídios como estatística, rotular um local como "o mais violento", fazer matérias de cunho sensacionalista em nada ajuda no processo da comunicação social; ao contrário, são informações desprovidas de sentido. Afinal, os profissionais da comunicação deveriam agir em defesa da população, não como inimigos, para quem se evita dar informações temendo a divulgação de uma mentira instituída.

Considerar que a contextualização dos fatores da violência na elaboração da matéria a ser divulgada constitui perda da essência do trabalho do profissional da comunicação só faz endossar a presença da prática da "distorção comunicacional", da qual os moradores do Jardim Paraíso são afetados.

( vdaufen@terra.com.br )

*Mestre em história cultural e professora de sociologia em Joinville

Fonte: Opinião - Jornal A Notícia