domingo, 30 de setembro de 2007

Notas introdutórias à pesquisa acerca da imprensa que concorreu para a independência política brasileira.

Conforme proposto a respeito dos projetos de dissertação, para que pudéssemos, enquanto comunidade interpretativa, dar uns aos outros uma idéia geral referente às respectivas pesquisas, escrevo umas notas introdutórias sobre a imprensa panfletária que concorreu para a consumação da independência política do Brasil em 1822.
Um estudo como tal não se pode dissociar de ferramentas específicas do ofício do historiador, qual seja um recorte temporal ou métodos de abordagem do documento histórico. Temos, neste sentido, instrumentos que provém dos metódicos, marxistas ou da história nova. A primeira privilegiando documentos políticos e sucessões de eventos, adequada à proposta de uma História Universal, a segunda as lutas entre classes e a lida do homem com os modos de produção, chamada materialismo histórico, e a terceira, mais frinchada em termos de metodologia, que privilegia abordagens culturais, reconhecendo, sobretudo, que toda a história é brotada de perguntas específicas, sem pretensões de universalidade.
À recriação de um cenário cultural, o Rio de Janeiro em ebulição intelectual, como o foi de 1808 até 1822, sugere uma abordagem mais flexível, mas não por isto menos conceitual. Portanto, vou intercalar elementos dos estudos marxistas da nova esquerda inglesa com os estudos da história cultural francesa. Neste cenário cultural recriado, agirão os jornalistas, como principal força intelectual, motivando (direta ou indiretamente) a independência brasileira e selecionando momentos percebidos como parte da memória nacional. Sentidos aqui selecionados impregnarão a historiografia subseqüente e serão tidos como constituintes do sentimento de nacionalidade brasileiro.
Este estudo será dividido em três capítulos, tal como é narrada a batalha de Canudos por Euclides da Cunha, agora numa perspectiva sobretudo cultural:
1) Os atores: jornalistas, chamados de elite intelectual, reconhecendo em si mesmos o notável papel de conduzir os rumos da história brasileira. A saber: Correio Brasiliense (um espaço de sedimentação de sentidos do Iluminismo, antena re-transmissora dos acontecimentos em curso na Europa e de reflexão sobre os eventos em curso no Brasil), Despertador Brasiliense, Gazeta do RJ, Bem da Ordem, Revérbero, Conciliador do Reino Unido, A Malagueta, O Espelho, etc. Observa-se uma reincidência de redatores. Neste momento, o que se quer, sobretudo, é influir nos rumos da política brasileira, buscando convencer D. João ou D. Pedro acerca da tomada de certas decisões consideradas importantes. O jornal vai se configurando como uma esfera pública pseudo-burguesa (não existe no Brasil uma burguesia formada).
2) O palco: o Rio de Janeiro em ebulição política. As transformações geradas na capital pela presença da corte possibilitaram a circulação de periódicos (até 1821, quando D. Pedro I libera o Brasil da censura, apenas 3 estão em circulação). As disputas verbais entre os jornalistas, especialmente após a supracitada data, são caracterizadas como “insultos impressos”. Destarte, este capítulo discute, em linhas gerais, as medidas tomadas por D. João VI que possibilitaram o arejamento cultural brasileiro e a entrada de um Iluminismo mitigado. Com vistas em não entrar demasiadamente no ofício do historiador, este capítulo sofrerá restrições historiográficas, sem perder de vista a comunidade interpretativa que formaram os atores em questão.
3) O conflito: quais foram os sentidos vitoriosos e que se cristalizaram no imaginário da cultura nacional brasileira? Este capítulo é acima de tudo conceitual e descreve, sem pretensões relativas à Verdade, de que forma a imprensa ajudou a minar o sistema colonial e fundar, nos trópicos, um, entre aspas, Estado-nacional moderno. Fica aqui também um ensaio relativo às peculiaridades da imprensa canarinha, que pode, noutra feita, ser discutido com maior profundidade.
Por fim, o que se pretende é reconstruir um cenário cultural e colocar nele os devidos atores, com suas respectivas idéias acerca da construção da nacionalidade brasileira. Em termos de recorte temporal para leitura do discurso (não será feita uma AD), 1820-2. Minha pretensão é oferecer uma colaboração ao estudo da história da imprensa brasileira.

Agradeço a atenção e disponho-me a ler os projetos dos colegas, oferecendo, na medida do possível, contribuições, especialmente no que diz respeito ao estudo da história. Quanto a mim, tenho como principal dificuldade o acesso às fontes. São 19 os jornais passíveis de serem estudados, divididos em bibliotecas do Rio de Janeiro e São Paulo. É, portanto, uma pesquisa que para bom andamento depende de incentivo financeiro.

Ps. Só tenho disponibilidade de escrita através de lan house.

5 comentários:

Luís Munaro disse...

Depois de orientação a pesquisa sofreu guinada para uma análise do Correio Braziliense em si, enquanto espaço de sedimentação de discursos provenientes do iluminismo francês e inglês. A tarefa é ler a coleção completa, o que não exclui, não obstante, conhecer mesmo que pela superfície jornais circunvizinhos. Tal tarefa faz parte da recriação de um cenário cultural.

Luís Munaro disse...

Este estudo parte dos benefícios trazidos pela tese doutoral de Tania de Luca sobre a Revista do Brasil, de Maria Pallares-Burke sobre o jornal Spectator, ou sobre a dissertação de Mestrado de Marco Morel sobre o Cipriano Barata.

Felipe disse...

Luís, encaminho algumas questões que deve estar mais claro para vc, mas vai do mesmo jeito.

Quais autores da nova história francesa vc irá trabalhar?

Como vc está trabalhando a diacronia do conceito marxista de história com a sincronia trabalhada pelos historiadores francesas da década de 70? Trabalhas com o conceito de história universal, contínua e cíclica (dialética) propostas pelos marxistas ou com a história local, descontínua e particular de alguns franceses da nova história?

Como vc pretende colocar o jornalismo no seu trabalho? Apenas como referente? Está estudando alguma metodologia de abordagem específica para a área?

Aponto três livros que podem te ajudar nessa pertinente pesquisa:

FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber.

MAROCCO, Beatriz. Prostitutas, Jogadores, Pobres e Vagabundos no Discurso Jornalístico

VEYNE, Paul. Como se Escreve a História e Foucault Revoluciona a História.

Grande abraço

Luís Munaro disse...

Obrigado Felipe, pelas reflexões propostas. Não tenho respostas para as questões que você colocou. Em termos de método de busca histórica, vou tentar me aproximar do Rizzini, que teve resultados ótimos com seus dois livros sobre história da imprensa. Mas para não fugir às conquistas trazidas pela historiografia contemporânea, ao mesmo tempo me aproximo de conceitos trabalhados pela nova esquerda inglesa, como identidade ou cultura nacional e, quanto à história cultural francesa, utensilagem mental, para poder recriar o ambiente pensante do Rio de Janeiro no início do séc XIX. "História Cultural: entre práticas e representações", do Roger Chartier, tão-somente.
Para mim, não cair em anacronia já é mais do que suficiente.

Abração.

Felipe disse...

Disse tudo meu caro! Boa sorte e aguardo a postagem de um novo trecho.